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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

04 anos de ausência


Dizia o poeta pernambucano Ascenso Ferreira que para o jogador (de baralho e por extensão todos aqueles que disputam contendas) perder ou ganhar não importava muito, fazia parte do jogo, o ruim mesmo era “alisar, ficar de fora das próximas concorrências”.

Assim foi a vida de meu pai, que “jogou” com a vida na maioria do seu tempo de existência terrena. Participava direta e indiretamente de todos os acontecimentos saudáveis na sua pequena cidade e estimulava a mim e meus irmãos sermos também partícipes. Tinha amizades, conhecimentos e transitava com folga em todas as camadas sociais do município, caracterizado pela heterogeneidade social que rege as convivências nas cidades interioranas, exceto aquelas pessoas que se consideram VIPS, ou seja, pessoas que se sentem diferenciadas das demais.

A participação política era uma das suas grandes paixões, tendo sido eleito Vereador nas eleições municipais do ano de 1965. Seu pai, o líder político Pedro Pires, foi seu ídolo maior.

Meu pai, notadamente, tinha preferência pelo “baixo clero”, ou seja, gente menos favorecida, onde ele exercia, da sua maneira, a majestade e sua irreverência como gostava, características estas nunca perdidas. Como símbolo desta opção, vão aqui dois exemplos de acontecimentos vívidos verdadeiramente: há alguns anos, estávamos em uma das filas do caixa eletrônico do banco do Brasil aqui em Tabira. Minha memória fotográfica me perturbava em reconhecer uma senhora que estava na fila vizinha. Sem muito esforço, depois de alguns minutos, a “ficha caiu”. Era a ex-prostituta fulana de tal, agora casada e denominada com seu nome de origem, assim me disseram. Fomos, satisfatoriamente, ao seu encontro, da forma mais discreta e educada possível. Quando da nossa aproximação física, abordagem e carinhosa saudação àquela outrora “jovem mulher da vida”, moradora de um antigo extinto prostíbulo, agora aposentada por invalidez na agricultura, ela foi extremamente afetiva. Sorriu para mim e me fez uma pergunta que ainda hoje “rende” muitas gostosas risadas: é Dr. Marcílio? respondi que certamente. Ela continuou sorrindo e me disse “votei no senhor, foi meu amigo Solon quem me pediu”. Agradeci e lhe disse da satisfação em revê-la, depois de tantos anos. Depois disso, quando nos encontrávamos, no comércio, hospital, postos de saúde, nas ruas e becos de Tabira sempre nos saudávamos carinhosamente. Exemplo maior não poderia ter ,de quem somos e das nossas origens.

Outro caso, folclórico e que também ainda hoje nos delicia dentro do nosso universo de divertimentos, aconteceu no ano de 1973, quando da transferência dos meus pais para a capital pernambucana. Situação financeira das mais difíceis, mas minha mãe, a valente Professora Adelaide Valadares Vieira Pires, sem temer a perigos nem ruínas, resolveu enfrentar o Recife, na sua incansável ideia de uma formação universitária para os filhos. Meu pai Solon era um modesto funcionário da Secretaria de Justiça do Estado de Pernambuco, emprego este conseguido em uma brava luta da minha mãe, junto a antigas amizades. Através de outras amizades e a proteção de um irmão dele, meu pai foi transferido para a Secretaria da Fazenda, aonde passou a receber melhores recursos. Durante este período da transferência, ele teve que fazer um curso de capacitação para a nova realidade a ser enfrentada. Naqueles dias, uma turma jovem de Tabira, estudantes na cidade do Recife, foi visitar “seu Solon”. Chegando lá nos Torrões, bairro aonde residíamos inicialmente, encontraram facilmente nosso apartamento. Havia em casa naquele momento, apenas Marlene, a nossa gerente doméstica e um primo dos Valadares, ávido estudante secundarista, hoje uma autoridade nacional. Quando perguntaram por meu pai, a desinformada do “conteúdo da obra e do curriculum” ,a inocente Marlene, respondeu laconicamente e na maior tranquilidade: seu Solon foi para o curso. Um deles insistiu que estava procurando Solon Pires. Obteve a mesma resposta. Um querido primo ,filho de uma prima do “seu Solon”, encerrou a tentativa da visita do grupo de amigos, com a seguinte afirmativa: desculpe moça, não é esse o Solon que estamos procurando. Para eles, era muito difícil acreditar em ter meu pai como aluno em capacitações.

Foi assim a vida do meu pai, resumida em parte no verso do poeta tabirense maior Dedé Monteiro

Bairrismo e Boêmia

Se ser bairrista é defeito,

Se ser boêmio é pecado,

SOLON foi “um caso sem jeito”

E este chão foi seu “reinado”!

O filho de Pedro Pires

Fez da vida um arco – Iris,

Foi mestre e aprendeu lições,

Tabira foi seu amor

E ele o defensor

Da terra das tradições.

Fonte: Facebook 

Dr. Marcílio Fernando Valadares Pires
Odontólogo & Major da PM-PE





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