Dizia o poeta pernambucano
Ascenso Ferreira que para o jogador (de baralho e por extensão todos aqueles
que disputam contendas) perder ou ganhar não importava muito, fazia parte do
jogo, o ruim mesmo era “alisar, ficar de fora das próximas concorrências”.
Assim foi a vida de meu
pai, que “jogou” com a vida na maioria do seu tempo de existência terrena. Participava
direta e indiretamente de todos os acontecimentos saudáveis na sua pequena
cidade e estimulava a mim e meus irmãos sermos também partícipes. Tinha amizades,
conhecimentos e transitava com folga em todas as camadas sociais do município, caracterizado
pela heterogeneidade social que rege as convivências nas cidades interioranas, exceto
aquelas pessoas que se consideram VIPS, ou seja, pessoas que se sentem diferenciadas
das demais.
A participação política
era uma das suas grandes paixões, tendo sido eleito Vereador nas eleições
municipais do ano de 1965. Seu pai, o líder político Pedro Pires, foi seu ídolo
maior.
Meu pai, notadamente, tinha
preferência pelo “baixo clero”, ou seja, gente menos favorecida, onde ele
exercia, da sua maneira, a majestade e sua irreverência como gostava, características
estas nunca perdidas. Como símbolo desta opção, vão aqui dois exemplos de
acontecimentos vívidos verdadeiramente: há alguns anos, estávamos em uma das
filas do caixa eletrônico do banco do Brasil aqui em Tabira. Minha memória
fotográfica me perturbava em reconhecer uma senhora que estava na fila vizinha.
Sem muito esforço, depois de alguns minutos, a “ficha caiu”. Era a
ex-prostituta fulana de tal, agora casada e denominada com seu nome de origem, assim
me disseram. Fomos, satisfatoriamente, ao seu encontro, da forma mais discreta
e educada possível. Quando da nossa aproximação física, abordagem e carinhosa
saudação àquela outrora “jovem mulher da vida”, moradora de um antigo extinto
prostíbulo, agora aposentada por invalidez na agricultura, ela foi extremamente
afetiva. Sorriu para mim e me fez uma pergunta que ainda hoje “rende” muitas
gostosas risadas: é Dr. Marcílio? respondi que certamente. Ela continuou
sorrindo e me disse “votei no senhor, foi meu amigo Solon quem me pediu”. Agradeci
e lhe disse da satisfação em revê-la, depois de tantos anos. Depois disso, quando
nos encontrávamos, no comércio, hospital, postos de saúde, nas ruas e becos de
Tabira sempre nos saudávamos carinhosamente. Exemplo maior não poderia ter ,de
quem somos e das nossas origens.
Outro caso, folclórico e
que também ainda hoje nos delicia dentro do nosso universo de divertimentos, aconteceu
no ano de 1973, quando da transferência dos meus pais para a capital
pernambucana. Situação financeira das mais difíceis, mas minha mãe, a valente
Professora Adelaide Valadares Vieira Pires, sem temer a perigos nem ruínas, resolveu
enfrentar o Recife, na sua incansável ideia de uma formação universitária para
os filhos. Meu pai Solon era um modesto funcionário da Secretaria de Justiça do
Estado de Pernambuco, emprego este conseguido em uma brava luta da minha mãe, junto
a antigas amizades. Através de outras amizades e a proteção de um irmão dele, meu
pai foi transferido para a Secretaria da Fazenda, aonde passou a receber
melhores recursos. Durante este período da transferência, ele teve que fazer um
curso de capacitação para a nova realidade a ser enfrentada. Naqueles dias, uma
turma jovem de Tabira, estudantes na cidade do Recife, foi visitar “seu Solon”.
Chegando lá nos Torrões, bairro aonde residíamos inicialmente, encontraram
facilmente nosso apartamento. Havia em casa naquele momento, apenas Marlene, a
nossa gerente doméstica e um primo dos Valadares, ávido estudante secundarista,
hoje uma autoridade nacional. Quando perguntaram por meu pai, a desinformada do
“conteúdo da obra e do curriculum” ,a inocente Marlene, respondeu laconicamente
e na maior tranquilidade: seu Solon foi para o curso. Um deles insistiu que
estava procurando Solon Pires. Obteve a mesma resposta. Um querido primo ,filho
de uma prima do “seu Solon”, encerrou a tentativa da visita do grupo de amigos,
com a seguinte afirmativa: desculpe moça, não é esse o Solon que estamos
procurando. Para eles, era muito difícil acreditar em ter meu pai como aluno em
capacitações.
Foi assim a vida do meu
pai, resumida em parte no verso do poeta tabirense maior Dedé Monteiro
Bairrismo
e Boêmia
Se
ser bairrista é defeito,
Se
ser boêmio é pecado,
SOLON
foi “um caso sem jeito”
E
este chão foi seu “reinado”!
O
filho de Pedro Pires
Fez
da vida um arco – Iris,
Foi
mestre e aprendeu lições,
Tabira
foi seu amor
E
ele o defensor
Da
terra das tradições.
Fonte: Facebook
Dr.
Marcílio Fernando Valadares Pires
Odontólogo
& Major da PM-PE
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