Heitor
Scalambrini Costa*
Há muito várias vozes
clamam pelo incentivo ao uso da energia solar fotovoltaica em território
brasileiro. Principalmente pelo fato desta tecnologia estar em pleno
desenvolvimento, alcançando patamares técnico-econômicos atrativos e
compatíveis com outras fontes de energia utilizadas para geração de energia
elétrica.
E também pelo fato de
grande parte do país contar generosamente com quantidades expressivas do
recurso solar, em particular o nordeste brasileiro.
Todavia obstáculos não
faltaram e não faltam para que esta fonte de energia democrática, abundante,
barata, e geradora de empregos locais, cresçam no país. A ausência de políticas
públicas é uma das maiores barreiras, assim como a atuação de “lobies”
contrários as fontes renováveis.
Somente em janeiro de 2013
é que entrou em vigor a Norma Resolutiva (NR) 482/2012 da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) – que estabeleceu regras para a micro e a
mini-geração, permitindo que
consumidores possam gerar sua própria energia e trocar o excedente por
créditos, dando desconto em futuras contas de luz –alavancando assim o uso
desta fonte energética.
A resposta do consumidor
diante deste modesto, mais importante incentivo foi surpreendente. Em 2019, o
número de instalações bateu recorde, sendo mais de 92 mil conexões até o final
de novembro, segundo informações da Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL). Foram quase 276 sistemas fotovoltaicos descentralizados instalados por
dia no país e conectados à rede elétrica, que juntos somam uma capacidade instalada
de mais de 1,1 Gigawatts (GW).
De usinas solares
centralizadas, hoje o país dispõe de mais de 2,3 GW. Mesmo com este
crescimento, ainda é irrisório a contribuição da energia solar fotovoltaica na
matriz elétrica brasileira.
Desde 2013, ano em que a
Aneel promulgou as regras da Geração Distribuída (GD), o segmento já registrou
um crescimento acumulado de mais de 789.000%. O que evidência a busca do
consumidor em encontrar uma saída para o
alto preço da energia no país, apostando na auto geração para economizar na
conta de luz. Visto que hoje, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE),
o consumidor brasileiro paga a 3ª tarifa mais cara do planeta, o dobro da média
mundial.
Assim é mais que evidente
os obstáculos para o crescimento, e uma maior participação da eletricidade
solar na matriz elétrica. O que depende para se transpor os obstáculos são
políticas públicas mais agressivas voltadas ao incentivo da energia solar. Por
exemplo: criação pelos bancos oficiais de linhas de crédito para financiamento
com juros baixos, a redução de impostos tanto para os equipamentos como para a
energia gerada, a possibilidade de ser utilizado o FGTS para a compra dos
equipamentos, programa dirigido a agricultura familiar incentivando o uso do
conceito agro fotovoltaico (produção de energia e alimento), e mais informação
através de propaganda institucional sobre os benefícios e as vantagens da
tecnologia solar.
Mas o que também dificulta
enormemente, no que concerne a expansão da geração descentralizada, é as distribuidoras.
São elas que administram todo o processo, desde a análise do projeto inicial de
engenharia até a conexão com a rede elétrica. Cabe às distribuidoras efetuarem
a ligação na rede elétrica, depois de um burocrático e longo processo administrativo
realizado pelo consumidor junto à companhia, que geralmente não atende aos
prazos estipulados pela própria ANEEL.
E convenhamos, as empresas
que negociam com energia (compram das geradoras e revendem aos consumidores)
não estão nada interessadas em promover um negócio que, afeta diretamente seus
lucros. Isto porque o grande sonho do consumidor brasileiro é ficar livre, e
não depender das distribuidoras com relação à energia que consome. O consumidor
deseja é gerar sua própria energia.
Ai está o “nó” do problema
que o governo não quer enfrentar, e que na prática acaba sendo “sócios” do
lobby das empresas concessionárias, 100% privadas. Enquanto em dois dias
instalam-se os equipamentos numa residência, tem de se aguardar meses para que
a conexão na rede elétrica seja realizada.
Mais recentemente a ANEEL
propôs uma consulta pública para a revisão da NR 482, retirando a isenção de
encargos e impostos do setor da GD. Medida esta apoiada pelo Ministério da
Economia, e de encomenda ao loby das concessionárias, representada pela
Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE). Se as novas regras forem aprovadas,
equivalerá a onerar esta opção tecnológica para o consumidor gerar sua própria
energia.
Assim nos parece que os
pilares de regulação e fiscalização, que justificam a existência da ANEEL,
estão sendo abandonados, tornando está agência um mero “puxadinho” da ABRADEE.
O que de fato se verifica
é que a “política” energética brasileira vai na contramão das exigências do
mundo contemporâneo, a reboque de interesses de grupos que veem na energia um
mero produto, mercadoria. Sem levar em conta os interesses da população.
Acordem, “ilustres
planejadores” da política energética. A sociedade não aceita mais pagar pelos
erros cometidos por “vossas excelências”. Exige-se mais democracia, mais
participação, mais transparência em um setor estratégico, que insiste em não
discutir com a sociedade as decisões que toma.
*
professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física
– Unicamp, mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear – UFPE, doutorado em
Energética – CEA/Université de Marseilhe-França.
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