Silvana
de Souza foi derrubada com o rosto no chão e quebrou a perna: ‘me trataram como
lixo’; ação policial foi gravada com um celular
Por Drika Evarini.
Dois dias e meio no
hospital, fratura na fíbula e na tíbia, uma cirurgia, 13 pinos, uma platina, o
rosto marcado e machucado e, talvez, mais uma cirurgia no tendão. A costureira
Silvana de Souza, 39 anos, nunca mais vai esquecer o dia 19 de fevereiro, quando
foi jogada no chão do terreno em frente a sua casa pela Polícia Militar de
Santa Catarina. A ação foi filmada por celulares de testemunhas e divulgada
nesta terça-feira (10/3), mas o caso aconteceu há quase um mês, em Mafra, no
Planalto Norte do estado.
O vídeo mostra o momento
em que Silvana está sendo conduzida e, de repente, leva uma rasteira e é jogada
no chão. Tatiana de Souza, irmã de
Silvana, gravou as imagens que mostram a costureira com o rosto machucado,
sangrando e a fratura exposta na perna.
“Ele quebrou minha perna”, gritava Silvana.

Silvana
hospitalizada
“Eu
me senti um nada, um lixo, um zé ninguém para eles, como se eu fosse um animal.
Não tinha necessidade de eles fazerem aquilo comigo”, lamenta, em entrevista à
Ponte.
A costureira estava em
casa com a mãe quando, por volta das 18h30 daquela quarta-feira, policiais
passaram em alta velocidade em direção à casa dos fundos. A ação, inicialmente,
era uma perseguição ao vizinho de Silvana, que estaria pilotando uma moto com a
placa adulterada.
A movimentação incomum no
bairro Novo Horizonte, na zona rural do município, chamou a atenção da
vizinhança que foi tratada com truculência. Tatiana conta que os policiais logo
partiram pra cima dos moradores, inclusive da sua família, com gás pimenta. Ao
questionar a ação, o marido foi ameaçado de prisão.
“Entraram
na minha casa, com arma apontada, espirrando gás pimenta até nas crianças, com
arma apontada. O meu menor, de quatro anos, não pode escutar uma sirene e já
pergunta se é sirene, se é polícia, está traumatizado”, conta.
Foi neste momento que
Silvana, que mora ao lado com a mãe, chegou para saber o que estava
acontecendo.
“Vi um monte de PM, as crianças com os olhos vermelhos, minha
irmã, meu cunhado e fui perguntar. Já fui abordada por um policial com spray de
pimenta. Eu comecei a discutir com o policial porque achei abuso de autoridade.
A ocorrência não tinha nada a ver com a gente e já entraram no nosso terreno
com violência, apontando arma pra todo mundo”, conta.
A costureira ressalta que
não houve nenhuma agressão ou ameaça dos moradores, como afirma a polícia, mas
admite que a família xingou os policiais por conta da truculência. Ela recebeu
voz de prisão ainda dentro do terreno e foi conduzida. Pelo menos seis policiais
participaram da ação.
Enquanto a irmã filmava
toda a ação, Silvana foi derrubada com violência. Instantaneamente o rosto
começou a sangrar e a fratura na perna foi exposta. Tatiana também foi
derrubada enquanto tentava ajudar a costureira e filmava. Ela conta que teve
arranhões leves, mas que o celular foi recolhido pela PM. Ela só conseguiu
reaver o aparelho oito dias depois.
“Foi
muito revoltante, até nisso a gente mostra que não é violento, eu fui filmando
e falando com eles, acabei xingando. Mas em momento nenhum tentei agredir. Se
fôssemos violentos teríamos tentado agredir. Quando eu tentei chegar perto, não
deixaram e me derrubaram para pegar meu celular”, lembra.
Silvana conta que tentou
levantar e não conseguiu e foi nesse momento que percebeu que havia quebrado a
perna. Ela lembra ainda que ficou por cerca de uma hora no chão enquanto a
ambulância dos bombeiros era acionada, trabalho que ficou a cargo dos vizinhos. “Eles [policiais] não prestaram
atendimento nenhum”, ressalta.

A costureira lembra ainda
que o policial tentou se esquivar da responsabilidade afirmando aos socorristas
e também no hospital que ela tinha “escorregado”. “Ele disse que eu caí sozinha,
que eu reagi e que quando ele caiu por cima de mim, o material de trabalho dele
fraturou a minha perna”, diz.
Durante os dois dias e
meio no hospital, a costureira passou pelo procedimento cirúrgico para corrigir
a fratura na perna, o que a tem impossibilitado de trabalhar. O retorno ao
médico para avaliar a necessidade de nova cirurgia será no dia 25 de março.
“É uma situação muito
complicada, não tinha nada a ver conosco e eles falam como se nós fôssemos
bandidos, falam de violência e não foi assim. É constrangedor, não posso
trabalhar, tenho filhos para sustentar e agora, nos sentimos ameaçados né,
porque querendo ou não, eles têm poder”, relata.
Ela conta ainda que o
mesmo policial que a agrediu, colheu o depoimento para gerar a ocorrência ainda
no hospital. Silvana só foi liberada do hospital para casa porque a irmã pagou
a fiança.
Outro lado
Em nota, a Polícia Militar
de Santa Catarina afirmou que os moradores teriam se aproximado, iniciado a
discussão e ameaçado os policiais, inclusive com um facão, o que teria motivado
a utilização de gás lacrimogêneo. A PM declarou ainda que Silvana teria
continuado a desacatar os policiais e demonstrado resistência no momento da
prisão “razão pela qual o policial fez uso da força, derrubando-a no chão”.
A nota ressalta ainda que
os agentes “são treinados a fazer o uso
progressivo da força, bem como, observarem os protocolos operacionais padrão”. A
PM afirma que um Inquérito Policial Militar será instaurado.
Ministério
Público apura ação da PM
O promotor Filipe Costa Brenner determinou, dois dias após a ação, a
juntada de gravações, reportagens, do auto de prisão em flagrante e das imagens
das câmeras policiais. A partir desses elementos, a promotoria deve avaliar se
há elementos suficientes para instauração de procedimento e possível
encaminhamento à Promotoria Especializada, em Florianópolis, para investigar
possíveis abusos na ação militar.
“Os
fatos têm potencial para ensejar providências do controle externo da atividade
policial e, inclusive, na seara criminal”, resumiu no despacho.
Além disso, a família de
Silvana contratou advogados que, em nota, dizem que estão aguardando a apuração
do Ministério Público e do comando da PMSC. “Após a conclusão desses trabalhos, serão ajuizadas as medidas
judiciais cabíveis”, afirmam.
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