O Globo
Escondidas na casa de
amigas, enterrando seus celulares e sem acesso à internet, 270 magistradas
afegãs pedem ao governo brasileiro asilo humanitário e um avião que as traga ao
país. Em carta enviada à Associação Brasileira de Juízas, 100 integrantes da associação
afegã afirmam que já receberam recado de que correm risco de vida.
O Superior Tribunal
Militar (STM) brasileiro também foi acionado e começou a agir. O presidente da
corte, ministro Luis Carlos Gomes Matos, teve na última semana conversas com o
ministro da Secretaria Geral da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos,
pedindo que o governo se posicione. O pedido de socorro humanitário foi enviado
no último dia 25.
— Elas estão escondidas e
sob grande risco, porque grande parte das juízas condenaram homens, inclusive
talibãs. Muitas delas já foram avisadas de que estão sob a mira do novo regime.
O agravante é que estão incomunicáveis. O pedido chegou até a Associação
Internacional de Juízas, que nos enviou, por contar com a ajuda do Brasil, um
dos países signatários do tratado internacional de direitos humanos, explicou a
juíza Amini Haddad Campos, representante da associação no Brasil.
Única mulher integrante do
STM em 212 anos da instituição, a ministra Elizabeth Rocha tem também
conversado com o Itamaraty em busca do socorro. Mas a decisão final cabe ao
Ministério da Defesa, que, procurado, não se manifestou.
— Elas estão tendo que
omitir o fato de que são magistradas, com medo de serem assassinadas. Elas e
suas famílias.
Elizabeth Rocha ressalta
que, mesmo antes da tomada de poder pelo talibã, “elas nunca viveram no
paraíso” no Afeganistão. Muitas sequer recebiam salário. Mas os relatos que tem
são de que agora a situação se tornou “dramática”. As mulheres, para os
talibãs, não
A associação pede visto
humanitário e asilo político. O pedido está parado no Ministério da Justiça.
Seccionais da OAB, como a do Mato Grosso do Sul, também estão ajudando a pressionar
autoridades brasileiras.
A posição do Talibã em
relação aos direitos das mulheres ainda não está bem esclarecida. Relatos das
últimas semanas indicam que em cidades como Herat, o Talibã estava proibindo
mulheres de irem a escritórios e de frequentarem as universidades, segundo
agências internacionais. Na última terça-feira, um porta-voz do Talibã chegou a
aconselhar as mulheres no Afeganistão a não trabalharem, a ficarem em casa. O
porta-voz alegou que não estavam seguras na presença de soldados.
Associações
mobilizadas
No entanto, outros
porta-vozes do grupo vêm dando declarações nos últimos dias garantindo que as
mulheres poderão trabalhar, desde que respeitando os preceitos da lei islâmica,
a sharia.
— Todas as associações
nacionais de juízas foram acionadas. Estamos muito preocupadas com essas
magistradas, porque sabemos que é um regime totalitário, para além de uma
ditadura. Eles controlam pensamento, as ações, as condutas, até a compreensão
do lugar de cada um no mundo.
A juíza detalha que,
atuando dentro do processo legal, com legislação rigorosa, que já estava
vigente no país, as juízas agora se tornam mais vulneráveis. Porque aplicaram
sentenças severas contra talibãs, que as desconsideram como autoridade e agora
estão no comando.
— Esperamos que elas recebam ajuda, para que possam ser guardadas. Por terem atuado dentro do processo legal, hoje, a qualquer hora, podem ser mortas. Estão escondidas. Eles não aceitam a autoridade feminina, não enxergam legitimidade. Hoje elas não podem sequer pensar em atuar como juízas, resume a juíza Amini.
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