
O jato foi objeto de uma
transação milionária feita por meio de laranjas, disse William Bonner. O
negócio não foi informado na primeira parcial da prestação de contas à Justiça
Eleitoral, prosseguiu. A senhora, que fala em inaugurar uma nova forma de fazer
política, usou o avião como teria feito qualquer representante velha política.
Procurou saber quem tinha pago por aquele avião ou confiou cegamente nos seus
aliados?
Marina estava diante da
primeira oportunidade de dizer meia dúzia de palavras sobre o assunto. Até
então, sempre que o tema a abalroava, ela se limitava a transferir a
responsabilidade pelo provimento de explicações para o PSB. Acomodada diante
das câmeras do telejornal de maior audiência do país, Marina podia tomar
distância da encrenca. Preferiu misturar-se ao problema.
Nós tínhamos, William, uma
informação de que era um empréstimo, que seria feito um ressarcimento, num
prazo legal, que pode ser feito, segundo a própria Justiça Eleitoral, até o
encerramento da campanha, tentou explicar Marina. Esse ressarcimento seria
feito pelo comitê financeiro do candidato, ela acrescentou.
Professora de formação,
Marina soou didática: existem três formas de fazer o provimento da campanha:
pelo partido, pelo comitê financeiro do candidato e pelo comitê financeiro da
coligação. Nesse caso do avião, seria pelo comitê financeiro do candidato.
Essas eram as informações que nós tínhamos.
A senhora sabia dos
laranjas?, inquiriu Bonner, incisivo. E Marina: Não tinha nenhuma informação
quanto a qualquer ilegalidade referente à postura dos proprietários do avião.
Nesse ponto, a candidata preocupou-se em preservar seu ex-companheiro de chapa.
Tomada pelas palavras, Marina pareceu dar de barato que eventuais ilegalidades
deveriam ser acomodadas sobre os ombros dos donos do avião, não de Eduardo
Campos.
Marina prosseguiu: Uma
coisa que eu quero dizer para todos aqueles que estão nos acompanhando é que,
para além das informações que estão sendo prestadas pelo partido, há uma
investigação que está sendo feita pela Polícia Federal.
Na fase seguinte, Marina
deixou ainda mais explícita sua pretensão de resguardar o ex-companheiro de
chapa: O nosso interesse e a nossa determinação é de que essas investigações
sejam feitas com todo o rigor, para que a sociedade possa ter os esclarecimentos
e para que não se cometa uma injustiça com a memória de Eduardo.
Por mal dos pecados, a
Rede Sustentabilidade divulgara no seu site um texto sobre a participação de
Marina no debate presidencial realizado na noite da véspera nos estúdios da
Band. Eis o título: Nosso compromisso é de que o Brasil seja passado a limpo,
defende Marina.
O texto da Rede recordou
que Marina evocara no debate o desejo de mudança da população, explicitado nas
manifestações de junho de 2013. Anotou: esse movimento social, para Marina, foi
um claro sinal de busca por mudanças e um novo jeito de fazer política.
Reproduziu, entre aspas, uma das frases marteladas pela candidata: uma das
coisas mais importantes para que a gente possa resolver os problemas, em
primeiro lugar, é reconhecer que eles existem.
Pois bem. Bonner
esforçou-se para arrancar de Marina um reconhecimento de que o jato
convertera-se num problema: candidata, quando os políticos são confrontados ou
cobrados por alguma irregularidade, é muito comum que eles digam que não
sabiam, que foram enganados, que foram traídos, que tudo tem que ser
investigado, que se houver culpados, eles sejam punidos, disse ele.
O entrevistador foi ao
ponto: esse é um discurso muito, muito comum aqui no Brasil. E é o discurso que
a senhora está usando neste momento. Eu lhe pergunto: em que esse seu
comportamento difere do comportamento que a senhora combate tanto da tal velha
política?
Abre parênteses: numa das
crises que ameaçaram o mandato de Renan Calheiros, em 2007, o presidente do
Congresso foi pilhado recebendo dinheiro de uma empreiteira. Os recursos
bancavam a pensão de um filho que Renan tivera numa relação extraconjugal com
uma jornalista. Para justificar-se, o senador dissera que dispunha de renda.
Alegara que vendera cabeças de gado de uma fazenda alagoana. Apresentara
pseudo-comprovantes.
Ao perscrutar os supostos
compradores, a imprensa deu de cara com laranjas. Periciado pela Polícia
Federal, o papelório de Renan foi desqualificado. Chamava-se Renato Casagrande
(PSB-ES) um dos relatores do caso no Conselho de Ética do Senado. Hoje
governador do Espírito Santo, o então senador Casagrande subscreveu relatório
que recomendava que o mandato de Renan fosse passado na lâmina. Para salvar o
mandato, Renan renunciou à presidência do Senado.
Mal comparando, o episódio
do jato é da mesma família. Numa ponta, empresários generosos prestando favores
a um político. Em vez de pensão, um avião. Noutro extremo, um laranjal. No
miolo da encrenca, muita desconversa e explicações desconexas. Coisas que fizeram
de Renan um protótipo da velha política de que tanto fala Marina Silva. Fecha
parentêses.
Em que esse seu
comportamento difere do comportamento que a senhora combate tanto da tal velha
política?, indagou Bonner. E Marina: Difere no sentido de que esse é o discurso
que eu tenho utilizado, William, para todas as situações. Inclusive quando
envolve os meus adversários. E não como retórica, mas como desejo de quem de
fato quer que as investigações aconteçam. Porque o meu compromisso e o
compromisso de todos aqueles que querem a renovação da política é com a
verdade.
O diabo é que a verdade
começara a ser exposta pelo próprio Jornal Nacional, que desnudara na véspera
alguns dos laranjas apresentados como financiadores da compra do jato. Numa
segunda reportagem, exibida minutos antes da entrada de Marina em cena,
revelaram-se novos e constrangedores buracos na rede de ilegalidades.
Submetida ao impensável,
Marina disse respeitar o esforço de reportagem. Mas falou como juíza de
direito, não como candidata à Presidência: A verdade não virá apenas pelas mãos
do partido nem pela investigação da imprensa. Ela terá que ser aferida pela
investigação que está sendo feita pela Polícia Federal. Isso não tem nada a ver
com querer tangenciar ou se livrar do problema. Muito pelo contrário, é você
enfrentar o problema para que a sociedade possa, com transparência, ter acesso
às informações.
Bonner fez uma derradeira
investida: o rigor ético que a senhora exige dos seus adversários nos faz
perguntar e insistir se a senhora, antes de voar naquele avião, não teria
deixado de fazer a pergunta obrigatória: se estava tudo em ordem em relação
àquele voo. Não lhe faltou o rigor que a senhora exige dos seus adversários?
Marina, de novo, mirou nos
empresários. Rigor é tomar as informações com aqueles que deveriam prestar as
informações em relação à forma como aquele avião estava prestando serviço. E a
forma como estava prestando serviço era por um empréstimo, que seria ressarcido
pelo comitê financeiro. Agora, em relação à postura dos empresários, os
problemas que estão sendo identificados agora pela imprensa, e que com certeza
serão esclarecidos pela Polícia Federal, eu, como todos os brasileiros, estou
aguardando.
Prosseguiu: Eu não uso,
William, de dois pesos e duas medidas. Não é? A régua com que eu meço os meus
adversários, é porque eu a uso em primeiro lugar comigo. E, neste momento, o
meu maior interesse é de que tenhamos todos os esclarecimentos. Mas uma coisa
eu te digo: a forma como o serviço estava sendo prestado era exatamente essa do
empréstimo, que seria ressarcido depois.
Marina teria soado mais
Marina se tivesse declarado algo assim: eu viajei nesse jato como candidata a
vice. O cabeça da chapa era Eduardo Campos. O usineiro João Carlos Lyra de Melo
Filho, que supostamente emprestou o jato, era amigo do Eduardo. Espanta-me a
presença de laranjas no negócio. Sou da Rede. Agradeço muito a hospialidade do
PSB. Mas o partido precisa explicar o que sucede. Não me consta que os
responsáveis pelo comitê financeiro do candidato tenham morrido no acidente.
Noutras questões, Marina
não hesitou em desgrudar a sua Rede do PSB. Refugou, por exemplo, os acordos
que levaram o partido de Campos para os palanques de políticos como o tucano
Geraldo Alckmin. Não fez o mesmo em relação à encrenca do jato porque
faltaram-lhe as condições políticas. Tornou-se candidata com o aval da família
do morto. Virou uma espécie de viúva política do ex-parceiro. Não quer passar
por ingrata. É do jogo. Mas a condescendência custou-lhe a pose.
O cotidiano de um político
é uma sucessão de poses. O político faz pose ao acordar, ao escovar os dentes,
ao fazer as refeições. No geral, é difícil saber se o altruísmo do político é
ou não representado. Em junho de 2013, o asfalto empurrou para dentro do processo
sucessório o desejo de mudança. Marina converteu-se na personificação desse
desejo porque as ruas enxergaram sinceridade nas suas poses. Recusando-se a
enxergar o problema do jato, Marina arrisca-se a virar uma espécie de
sub-Marina.
Fonte de Informação Blog Josias de Souza.
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