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sábado, 3 de maio de 2025

A TRAGÉDIA DOS 19 DE SERRA AZUL: A DOR QUE O TEMPO NÃO APAGA COMPLETA HOJE 59 ANOS

A cidade inteira chorou seus mortos. Famílias foram devastadas. Filhos cresceram sem pais. Mulheres viraram viúvas num piscar de olhos. A rotina rural foi substituída por um luto coletivo que parecia não ter fim.

Era 28 de abril de 1966, uma quinta-feira como tantas outras no interior paulista. O sol ainda nascia, mas uma neblina densa ofuscava a visão sobre os campos de cana, quando um caminhão de carga aberta partiu de Serra Azul para a Usina Santa Clara, em São Simão, levando cerca de 25 trabalhadores rurais rumo ao corte, pela estrada antiga que passava na Fazenda Tamanduazinho. Homens simples, rostos marcados pela luta diária, subiram no veículo acreditando que retornariam, como sempre, ao fim do dia. Mas aquele dia não teve volta para 19 deles. Foi uma das maiores tragédias que a região já presenciou.

O caminhão encostou em um cabo de alta tensão (13 mil volts), que havia caído do poste no chão de terra. O motor, à gasolina, deixou de funcionar. O fio, energizado, transformou o veículo em um condutor de morte. Houve uma explosão, e faíscas irromperam no contato. A borracha dos pneus atenuou a descarga momentaneamente, mas, quando os trabalhadores começaram a pular do caminhão, o desastre se consumou: cada um que tocava o chão completava o circuito elétrico. A descarga atravessava os corpos, matando instantaneamente. Dos que saltaram de um lado, 19 morreram eletrocutados. Os poucos que pularam do outro lado sobreviveram, por um instinto, um milagre, um gesto de coragem. 

Sobreviventes – Entre os sobreviventes, relatou o jornalista Celso Luiz, estava Nelson, o “Bregolinha”. “Meu cunhado, que fugiu da morte naquele dia por uma dessas inexplicáveis chances do destino. Lembro-me claramente, mesmo sendo apenas uma criança de seis anos. Minha irmã, com uma criança no colo, correu desesperada à Usina Santa Clara em busca de notícias. A confusão era total. O alvoroço, ensurdecedor. Informações desencontradas, gritos, choros, rostos paralisados pelo medo e pelo luto iminente. Era como se o tempo tivesse sido interrompido por um trovão de dor”, lembrou.

Nelson morreu recentemente, a cerca de dois anos, e com ele vivia também o testemunho silencioso dessa tragédia. Muitos outros, porém, não tiveram essa segunda chance. A cidade inteira chorou seus mortos. Famílias foram devastadas. Filhos cresceram sem pais. Mulheres viraram viúvas num piscar de olhos. A rotina rural foi substituída por um luto coletivo que parecia não ter fim.

O repórter que ainda se emociona

A cobertura da tragédia chegou à imprensa regional. O repórter Antônio Carlos Morandini, hoje colunista do Tribuna Ribeirão, esteve no local. Seu relato, publicado anos depois, ainda emociona: “Um deles foi o herói: pulou para o outro lado do caminhão e cortou o fio com uma ferramenta — podão de cabo de madeira —, salvando os demais. Cada um que o fio tocava se tornava um transformador, multiplicando a potência. No necrotério, notei que ainda havia os pregos nas botinas. As marcas indicavam que a eletricidade havia passado por ali. Foi muito triste.”

Era um cenário de guerra em plena zona rural. O fio caído na estrada, a ausência de sinalização, a precariedade no transporte dos trabalhadores e a falta de qualquer protocolo de segurança foram ingredientes de uma tragédia anunciada. Ninguém foi responsabilizado à época. E, como tantas outras dores da classe trabalhadora, essa também correu o risco de ser esquecida. A Usina Santa Clara foi desativada tempos depois.

A memória – Mas Serra Azul não permitiu o esquecimento. Em 2000, mais de três décadas depois, a cidade ergueu uma capela em memória dos 19 trabalhadores mortos. Uma homenagem simples, mas poderosa. Os nomes estão lá. As famílias, quando passam por ali, sentem que seus entes queridos não foram apagados pela indiferença. Cada nome gravado naquele altar de saudade é uma reafirmação de que suas vidas importaram, mesmo quando o sistema insistia em tratá-las como descartáveis.

A tragédia dos 19 de Serra Azul não é apenas uma lembrança triste. Ela é um símbolo. Um alerta contra a negligência com os mais humildes. Um grito silencioso contra a invisibilidade de quem move, com o corpo e o suor, as engrenagens da economia. Ela fala sobre morte, sim, mas também sobre memória, justiça e dignidade.

Relembrar essa data não é abrir feridas antigas: é impedir que novas tragédias aconteçam. É lembrar que, por trás de cada nome, havia um pai, um irmão, um amigo. Que o luto de uma cidade inteira não pode ser apagado. Que a vida de um trabalhador rural vale mais do que qualquer justificativa técnica ou burocrática.

Por Lúcio Mendes (reprodução) Tribuna Ribeirão.

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